A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram na quarta-feira uma megaoperação para combater descontos não autorizados em aposentadorias e pensões pagas pelo INSS. O chefe do órgão, Alessandro Stefanutto, foi afastado do cargo por decisão judicial e depois demitido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que soube da ação no início da manhã.policia
A operação, que envolveu centenas de policiais e auditores, foi autorizada pela Justiça do Distrito Federal para combater um esquema nacional de descontos associativos não autorizados em aposentadorias e pensões. As investigações apontam que a soma dos valores descontados chega a R$ 6,3 bilhões, entre 2019 e 2024, mas ainda será apurado qual porcentagem foi feita de forma ilegal.
- Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, procurador-geral;
- Vanderlei Barbosa dos Santos, diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão;
- Jacimar Fonseca da Silva, coordenador-geral de Pagamentos e Benefícios;
- Giovani Batista Fassarella Spiecker, coordenador-geral de Suporte ao Atendimento ao Cliente.
Este último disse que recebeu a decisão “com perplexidade” e que sempre atuou em prol do segurado. Os demais não se manifestaram.
O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, evitou entrar em detalhes sobre o que levou aos pedidos de saída das funções, já que o processo está em sigilo. Ele disse, porém, que as fraudes continuaram nos últimos meses mesmo após reportagens e investigações da CGU e do Tribunal de Contas da União.
— O que se percebeu foi a continuidade sem que houvesse ação efetiva em sentido contrário — afirmou, em entrevista à imprensa para comentar a operação.
‘Vítimas fáceis’
As investigações apontaram que havia descontos sobre valores pagos mensalmente pelo INSS como se os beneficiários tivessem se tornado membros de associações de aposentados, quando, na verdade, não haviam se associado nem autorizado os descontos.
O ministro da CGU, Vinícius de Carvalho, disse que as associações envolvidas diziam prestar serviços como assistência jurídica a aposentados e ofereciam descontos em mensalidades de academias e planos de saúde, por exemplo, mas não tinham estrutura. Segundo ele, a maioria dos que tinham recursos descontados não havia autorizado os abatimentos.
— Infelizmente, várias dessas pessoas não tinham autorizado descontos, eles eram em sua grande maioria fraudados, com falsificação de assinaturas e artifícios para simular a manifestação de vontade dessas pessoas — disse. — Estamos em fase inicial que se torna pública, por conta da operação, mas é uma investigação que está no começo e vai ter desdobramento certamente.
A operação ocorreu em 13 estados e no Distrito Federal, com 211 buscas e apreensões em 34 municípios — incluindo a sede do INSS. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, revelou que foram apreendidos carros de luxo, joias, obras de arte e dinheiro vivo.
Com um único alvo, foram apreendidos vários carros, avaliados em mais de R$ 15 milhões, segundo a PF. Com outro, US$ 200 mil e, um segundo, US$ 150 mil. Também foram determinadas as prisões de seis pessoas, das quais cinco foram presas.
Os investigados poderão responder pelos crimes de corrupção ativa, passiva, violação de sigilo funcional, falsificação de documento, organização criminosa e lavagem de capitais.
— Foi uma fraude contra os aposentados, pessoas que estão em fase adiantada da vida, naturalmente debilitadas. Foram vítimas fáceis desses criminosos que se apropriaram das pensões e aposentadorias — disse Lewandowski.
A CGU divulgou um relatório que consolida entrevistas com 1.273 aposentados e pensionistas. A maioria — 97% da amostra — afirmou nunca ter autorizado descontos em benefícios. A apuração do órgão mostra que, em 72% dos casos, as entidades não tinham entregue ao INSS a documentação necessária para fazer os descontos nos benefícios.
O relatório identificou casos em que beneficiários com doenças incapacitantes, indígenas que não sabem ler ou escrever e aposentados residentes no exterior figuram como autores de termos de filiação e autorização para desconto de mensalidades associativas. Segundo a CGU, as assinaturas podem estar sendo recolhidas sem o conhecimento do beneficiário sobre a finalidade ou as documentações podem estar sendo fraudadas.
Stefanutto foi procurado ao longo do dia, mas não se manifestou. O INSS também não comentou a operação. O substituto não foi anunciado até o fechamento desta edição.
Uma das entidades investigadas é o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), cujo vice-presidente é José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Lula. O sindicato disse apoiar as investigações e que uma apuração detalhada serve para “fortalecer a credibilidade das instituições”.
Lula ordenou troca
Depois de deflagrada a operação, o ministro da CGU e o diretor-geral da PF comunicaram o afastamento do presidente do INSS. Ele demonstrou irritação com os fatos levantados e, depois, procurou o ministro da Previdência, Carlos Lupi, para cobrar explicações. O caso foi avaliado como grave no Palácio do Planalto.
O presidente ordenou a demissão de Stefanutto, que foi publicada ontem no Diário Oficial da União. Mais cedo, Lupi disse ser de sua “inteira responsabilidade” a indicação e que não pretendia demiti-lo. O ministro classificou o chefe do INSS, servidor de carreira há mais de 20 anos, como “exemplar” e que não deveria “ser queimado na fogueira” sem saber antes do que estava sendo acusado, o que disse desconhecer também. Stefanutto é procurador federal do órgão há 25 anos.
O GLOBO mostrou semana passada que deduções atingiram recorde no governo Lula. Reportagem de fevereiro também apontou que José Avelino Pereira, conhecido como Chinelo e aliado de Lupi, responde a processos por causa de descontos. Ele integra o Conselho Nacional da Previdência. Sua defesa, à época, negou irregularidades.
O GLOBO